domingo, 15 de novembro de 2015

Insone

Agora que o bebê já dorme a noite toda, você também vai (dormir). 

Mais ou menos.

Porque não é o fato de estar tudo em silêncio que impede a mente de pensar.

Há muito mais em jogo que o simples cansaço ou a vontade de dormir.

A mente funciona à noite, quer dizer, nas madrugadas. Aliás, ela aproveita essa oportunidade para funcionar tudo o que não pôde durante o dia.

É um cúmulo esse acúmulo!

Reflexões, lembranças, planos, futuro.

Preocupações, problemas com ou sem solução.

Relatos, críticas, poesia.

Estratégias.

Ideias sem precedentes.

Esquecimentos.

Pedidos e orações.

Mas falta tempo para pensar em tudo.

Pois quem tem hora para acordar tem que ter hora para dormir.

Você agora é mãe. E precisa descansar.

Consciente disso, começo a perceber minha tensão.

Sem espelho e sem luz, de olhos fechados na escuridão. 

Estou notando minha testa franzir.

Penso nela a sorrir.

E todos os pensamentos me colocam em prontidão.

Porque eu sou mãe. E não posso dormir. Mas preciso.

Eu me devo isso. 

A vigília de nada adianta.

Vou fechar os olhos sem os tensionar.

E adormecer, até amanhã.

Ser eu mesma. Dormindo.

Ou seja, não ser ninguém.

Pelo menos, até amanhã cedo.

Porque assim que a voz dela me gritar, fazendo toda a questão.

Mamãe!

Serei eu de novo.

Aqui, filha, por você, sempre.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Meu aprendizado

O peso que ela não carrega:


Me fazer feliz;

Me deixar orgulhosa com seus feitos;

Me amar, como eu acho que mereço;

Concordar com minhas ideias;

Reconhecer o meu valor;

Seguir meus passos.

Ela pode fazer isso, se quiser.

Mas essa não é sua função.

Não foi para isso que tive uma filha.

Não foi para me afirmar por meio dela.

Não foi para buscar a aprovação de alguém.

Não foi para ser amada e ter alguém para me fazer feliz.

Não foi para ter minhas ideias confirmadas.

Não foi para ter alguém seguindo meus passos.

Não foi para me gabar dos feitos de alguém.

Não foi para ter meu valor finalmente reconhecido.

Porque antes que ela nascesse, eu já tinha valor.

Eu já era feliz.

Eu já merecia ser amada.

Eu já conhecia a aprovação e a desaprovação alheia.

Eu podia acertar e errar.

E continuo.

E só depende de mim

Aprender com ela que posso ser mais feliz do que já fui.

Aprender com ela a delicadeza de amar outra pessoa assim.

Aprender com ela que o objetivo do trajeto pouca importância tem, se o passeio não for bem aproveitado.

Aprender com ela que errar e acertar é assim mesmo.

Que depois de cair e chorar, é só se levantar.

Que risada é todo dia.

Que mudar de ideia é normal.

Que nada é perfeito, mas muitas coisas são belas.

Como a florzinha mais sem importância na fissura da calçada.

E que qualquer coisa pode ser engraçada.

Até um susto, um grito ou um sussurro.

Não é mágica, nem nada extraordinário.

Mas é bonito para quem vive, e só se vê vivendo.

Aqueles que disseram que nossa função é ensinar coisas aos filhos ainda não se deram conta do universo que nós, pais, temos a aprender com eles.

Coloque na balança e verá.

Quanta riqueza você pode ter se observar uma criança para aprender.


terça-feira, 30 de junho de 2015

Aprenda com o pai

(Créditos da imagem: "Melhor" pai do mundo - Dave Engledow)


Você, que agora é mãe, se queixa de estresse e de falta de ajuda no cuidado com a cria.

E quando recebe alguma ajuda, do pai, principalmente, não consegue relaxar, pois acha difícil ceder o controle com respeito à maneira como são feitas as coisas com o bebê ou na casa.

Eu sei como é.

Muitos pais desistem de ajudar porque simplesmente não param de ser corrigidos. Não recebem crédito nem pela vontade de aprender. E se sentem constantemente fiscalizados, obrigados a prestar contas de detalhes que, convenhamos, não são tão significativos.

Mas se você me permite um conselho, aí vai.

Quer se cansar menos, aprenda com o pai.

Quer ser feliz na vida, esteja mais aberta a aprender do que impaciente para ensinar.

A mãe não sabe tudo. Nem o pai. Por isso, nem você, nem ele, são perfeitos. E nem precisam ser, porque ninguém é.

Portanto, que ninguém tenha a presunção de ter todas as respostas certas. E que cada um se permita aprender.

E errar.

Se esse erro não for deixar a criança aleijada e nem atentar contra o bem-estar ou a vida dela, é válido.

Pra gente ver como o espectro do aprendizado é amplo.

Primeiro, quebrar paradigmas. Por exemplo, um alimento que você, mãe, tem convicção de que a criança não vai nem experimentar. O pai pode descobrir que é o preferido do neném.

Outro: uma roupa que você achava que não ia servir. Ficou ótima, dessa vez foi o pai que vestiu o neném.

Importante lição agora: por que os pais não se cansam tanto quanto as mães? Eles dormem quando o bebê dorme. Dormir de vez em quando. É legal e não faz mal.

Mais. Eles confiam que o bebê tem a capacidade de se distrair sozinho e não passam tanto tempo preocupados em cercá-lo de estímulos e distrações. Brincar com a criança é bom. Mas todo mundo tem limite, ninguém consegue passar o dia inteiro sentado no chão dando comidinha de mentira a bonecos. E a criança precisa aprender que não é centro do mundo.

Sem falar no tédio. O tédio, na medida certa, é importante para a criatividade da criança.

Nosso momento de tédio também é importante. Para quê? Ora, sem tédio todo mundo enlouquece. Algumas mães, com certeza, se estressam e depois ficam se culpando: o que estou fazendo de errado?

Isso:

Terminar as tarefas a tempo não é tão fundamental.

O bebê pode usar a mesma roupa várias vezes (confira apenas o cheiro).

Uma refeição a mais ou a menos por um dia só não vai matar a criança, se esta é saudável e tem peso bom.

Sujeira e bagunça acontecem.

A criança assistir desenho no celular algumas vezes na vida não vai causar danos cerebrais.

Flexibilidade é importante.

Elogie o pai pelo esforço.

Elogie mais, se ele alcançar o resultado. Não importa que não seja pelos mesmos meios que a mãe usa.

A criança está bem, viva, inteira e feliz. Pronto, ele é um bom pai.

Maternidade: quer ficar inteira nessa vida, aprenda com o pai.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Carta aberta à mãe perfeita


Olá, mãe perfeita. Tudo bem?
Se você existisse, eu diria que te admiro, de coração.
Você, que conseguiu o tipo de parto que planejou.
Você, que não teve dificuldades em amamentar um bebê com pesagem ótima.
Você, que perdeu todos os quilos que adquiriu na gravidez e voltou às medidas de antes.
Você, sempre pronta e disposta ao ser procurada por seu par.
Você, que dorme a noite toda e não tem olheiras.
Você, cujo bebê preenche toda a descrição de felicidade.
Você, que se sente bonita e tem amor incondicional.
Não chora, não se frustra, não se irrita com os comentários alheios.
Você foi contemplada com o máxima dádiva.
Cuida de tudo sozinha. E não reclama.
Como você tem todas as respostas?
Quando você fala, os outros se sentem ignorantes.
Mas fique à vontade para me mostrar sua felicidade.
Sua sabedoria, sua suprema bondade.
Eu só não confraternizo contigo porque você não é de verdade.
Eu só não te aplaudo mais, porque você, mãe perfeita, não sou eu.
Eu venci muitas lutas comigo mesma todos os dias.
Vi a face da minha própria mortalidade, ao mesmo tempo em que comecei a carregar aquele peso.
A séria responsabilidade de ter posto uma pessoa no mundo.
E nesse caminho, precisei de respostas quando ainda nem sabia quais eram as perguntas.
Sentia que tinha que me levantar antes mesmo de cair.
Diferente de você, perfeitinha, eu nem sempre acertei.
Nem sempre me aceitei.
Muitas vezes, com dúvidas, hesitei.
Mas os erros e a hesitação me ensinaram a humildade do aprendizado.
As lágrimas que verti abriram meus olhos para ter empatia com a dor alheia.
Para chorar com quem chora.
Para silenciar e ouvir.
Para a aceitação.
Para acreditar que há um motivo.
Mesmo sem motivo.
E a fraqueza extrema me fez sentir a essência da humanidade. 
A minha, a sua, a nossa.
E como o ser humano é forte. Com todas as imperfeições.
Foi penoso construir sentimentos que não vêm em pacotes de loja.
Coragem, resiliência, compaixão.
E a luta pelo amor do meu bebê me fortaleceu o coração.
Para hoje enfrentar qualquer batalha.
Inclusive aquela, de me olhar no espelho sem me criticar.
Inclusive, tendo a ousadia de não fazer qualquer ressalva, quanto ao que eu era e quanto ao que sou hoje.
Mãe perfeita, hoje eu estou a meu favor.
E não contra mim.
Lógico que eu te admiro.
Você não tem conflitos existenciais.
Mas eu me admiro mais.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Leituras inacabadas


Terminar algo que você começou está cada dia mais raro.

Você, que agora é mãe, sabe disso.

Há alguns meses comecei a ler livros com temas variados. Três títulos. Tudo ao mesmo tempo. O intuito era motivacional, depois informativo... acabei, por fim, lendo por lazer, diversão. Fazia tempo que eu não lia por puro entretenimento.

Mas não acabei as leituras totalmente. Os livros estão empilhados na estante do quarto.

Em algum lugar do passado, alguém chamado "eu mesma" me acusaria de não terminar o que comecei.

Para minha felicidade, aquela pessoa mudou.

Foi devagar, mas foi. 

O primeiríssimo livro, o primeiro da minha vida de mãe, eu li todo. Todinho.

Aí veio o segundo, sobre empreendedorismo. Na metade dele, resolvi colocar em prática os conselhos. Escrevi um outro livro. Escrevi uma lista. Fiz vários projetos, tive ideias mirabolantes que jamais colocarei em prática. Mas tudo funcionou. Para fazer meu cérebro sacudir a poeira e arejar suas engrenagens. Aí o abandonei-o-o (o livro, não o cérebro).

O terceiro livro era sobre estratégias de guerra. Foi aí que começou a diversão. Além de degustar um assunto praticamente novo para mim, relembrei algumas aulas de História Mundial, o que rendeu conversas interessantíssimas com o marido, que é fascinado pelo assunto.

Por estranho que pareça, hoje eu penso que toda mãe precisa conhecer estratégias de guerra. Ela precisa escolher que batalhas travar; e de quais combates precisa desistir. Precisa saber quais são suas capacidades e pontos fracos. Precisa identificar os inimigos e colocá-los no alvo.

Por estranho que (não) pareça, hoje também penso que toda mãe precisa conhecer gestão administrativa. Como gerenciar seu tempo e evitar desperdícios. 

Aí olhei a grossura do livro e não hesitei, o abandonei, também.

Estão os três lá na estante, dois deles inacabados.

Mas eu não. Estou em movimento. 

E se estou em ação, como poderia pensar que não tive sucesso? Só porque não terminei aquelas leituras?

Que besteira.

Eu, que no passado me culpava, mudei de ideia.

Se meu intuito era motivacional, alcancei o objetivo. Me sinto mais motivada, fazendo o que precisa ser feito. Se o intuito era informativo, acertei de novo. Estou estudando, não como fazia antes de minha filha nascer, mas algo próximo. Se lia para ser entretida, ótimo pra mim. Nada me entretém mais do que assumir minhas incumbências, meus assuntos e minha vida.

A pilha de livros, com a leitura inacabada, serviu de escada. Cada livro foi um degrau que subi para sair da inércia, para livrar a mim mesma do que não faz falta. Hoje, a tarefa não cumprida não me oprime. Aprendi, cresci, parabéns. 

E vem agora a lição.

Colocar em prática dez por cento do que você lê vale mais do que ler cem por cento de um livro por culpa, e não fazer mais nada.

Em outras palavras.

Que tristeza é alguém não fazer nada, por achar que se livrar da culpa é o suficiente para ser feliz!

No passado, a culpa me dava as ordens, mas hoje ela não vale mais nada para mim.

Fazer alguma coisa, aliás, é o que vale. Para mim, para você, para quem quer que seja.

Quem é mãe sabe disso.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Homenagem à mulher


As mulheres são as pessoas que mais se sacrificam nesse mundo.

Você, que agora é mãe, sente na pele isso.

Quando as mulheres da minha geração são homenageadas, deveriam se lembrar que essa homenagem cabe, na verdade, às mulheres de outras gerações. Nós aqui estamos sendo apenas simbolicamente lembradas. O que temos hoje (igualdade perante a lei, ao menos formal, direito ao trabalho remunerado, ao voto, e muitos outros direitos, inclusive relativos à maternidade) é fruto da luta delas, não nossa.

Acho importante dizer isso, porque sempre me senti fora de lugar nas celebrações do dia da mulher no meu trabalho, com a chefia colocando a mulherada num auditório para ouvir elogios, música, e depois presenteando todo mundo com flores e bolos de chocolate.

Amo flores e bolo de chocolate. (Música, aí já depende...)

Mas essa homenagem não me pertence, eu sentia.

E dá vontade de dizer o seguinte.

Se os estadistas querem homenagear as mulheres, respeitem primeiro nossas crianças, dando a elas uma educação digna. Se os homens querem homenagear as mulheres, mais respeito com a mulher que anda sozinha na rua, para que ela não se sinta constrangida com o palavreado chulo de que frequentemente é alvo. Se os patrões querem homenagear as mulheres, extirpem de suas condutas o assédio moral e eliminem de vez as piadinhas estereotipadas. 

Para qualquer pessoa homenagear a mulher, respeite suas escolhas de vida, respeite as que não querem se casar e as que não querem engravidar, respeite a escolha de parto, respeite seu direito de amamentação. Respeite a mãe que dá mamadeira ao bebê. Respeite as que querem ter um filho só e as que querem ter muitos filhos. Respeite a que escolheu trabalhar em casa e a que estudou para trabalhar fora e contratou babá e empregada. Respeite a avó idosa que, se ganhasse em dinheiro por hora de trabalho, seria milionária. Mas trabalhou a vida toda além do que devia, por dever de esposa e mãe. Fez tudo por amor.

Respeite a inteligência de uma mulher, não como se ela fosse um homem. Porque ela não precisa ser vista como homem para ser respeitada.

É um aprendizado e tanto para homens e mulheres. Respeitar, sejam as jovens, as mães, as professoras, as babás, e todas aquelas que merecem, antes de mais nada, o nosso amor e consideração. Amor diário, e não de ocasião ou de data.

Eu nem falo em feminismo, porque não me refiro a uma politização de comportamento. Falo de conceitos óbvios demais para serem politizados. 

Não parece estranho que seja preciso gastar tanto tempo hoje em dia falando sobre coisas óbvias? Sobre amar ao próximo e valorizar nossas mães?

É  estranho, sim. É quase assustador.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Felicidade hoje


Pequenas brincadeiras, como brincar de telefone com seus pés.

Pequenas inteligências de você, estendendo os braços para me pedir colo, mas só quer sair do berço para correr rindo de mim.

Pequenos incômodos de você, com lágrimas nos olhos, me falando que o dentinho (nascendo) dói.

Pequenos e doces perfeccionismos, palavrinhas que você fala após muito pensar, tentando sempre aperfeiçoar sua pronúncia.

Pequenas risadas deliciosas.

Pequenos passos, nas pontas dos pés.

Pequenos giros de brincadeira.

Pequenas quedas que você tira de letra, porque não gosta de ceder ao choro, não tem tempo para chorar e quer continuar o que está fazendo.

Pequenos gestos que você pede para eu refazer.

Pequenas vozes que falam, cantam e conversam em nossas histórias inventadas.

Só com sua vida, sua existência, você me apequena, me engrandece, me felicita.

Felicidade hoje é ter você.

Minha filha.